(Foto: Natália di Lorenzo)
Nina, tecnologia idealizada por Simony César, rastreia de casos de assédio na mobilidade urbana, e foi o projeto selecionado pela Academia Brasileira de Ciências – ABC para representar o Brasil no Prêmio BRICS Jovem Inventor 2018.
Fazer uma mulher se sentir invadida, ameaçada ou constrangida são características que configuram assédio. 52 milhões de brasileiras foram assediadas em transportes públicos em 2016, mas apenas 10% dos casos chegaram ao conhecimento da polícia, de acordo com os dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O índice ajudou a designer e estudante do IFPB de Cabedelo, Simony César, a validar a problemática. A partir de uma pesquisa extensa e de experiências pessoais, ela idealizou a Nina – tecnologia que rastreia casos de assédio na mobilidade urbana com dois cliques.
“Minha mãe foi cobradora de ônibus e, durante a minha infância e adolescência, sempre a via saindo às 4h da manhã de Dois Unidos, Zona Norte do Recife, para trabalhar e ficava apreensiva. Na minha família, muita gente trabalha em transporte público, tenho tio motorista de ônibus, prima maquinista e o tema mobilidade sempre foi presente. Meu primeiro estágio foi também em uma empresa de ônibus, eu sabia de todas as denúncias e sabia que elas não viravam nada, nem mesmo uma planilha no Excel. Me sentia impotente, mas precisava fazer alguma coisa”, relata a estudante idealizadora da tecnologia.
O sistema Nina pode ser inserido como botão dentro de qualquer aplicativo de mobilidade. Ele consegue auxiliar a vítima de forma emergencial, pois ativa usuários próximos, e preventiva, por meio da análise estatística de informações e identificação de linhas e pontos críticos para a mobilidade da mulher na cidade. O objetivo da pernambucana é que o Nina se torne referência global no rastreamento dos casos de assédios que acontecem na mobilidade urbana.
Entre os dias 25 e 29 de junho, Simony participará do 3º Fórum BRICS de Jovens Cientistas, onde concorre ao prêmio BRICS Young Innovator para jovens cientistas com menos de 30 anos, ao lado de outros criativos da Rússia, Índia, China e África do Sul. A seleção e indicação foram feitas pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Através do edital lançado no último mês de maio, a ABC e o MCTIC escolheram 1 jovem de todo território nacional para integrar a Comissão Científica do Brasil na categoria.
Ao mesmo tempo, o projeto Nina também recebeu aprovação no edital InoveMob, promovido pela Toyota Mobility Foundation e WRI Brasil, cujo intuito é financiar e acompanhar o desenvolvimento do projeto com o objetivo de solucionar questões relacionadas à mobilidade urbana nas cidades de Recife, Natal e Fortaleza. Para isso, Simony César contou com o apoio institucional dos governos locais para que fosse possível inserir o Nina como botão dentro de aplicativos de transportes públicos existentes nas respectivas cidades e, assim, maximizar o maior número possível de usuários alcançados pelo dispositivo de denúncia de assédio. Em fase de ajuste, a previsão de operação e início do testes é na segunda quinzena de agosto.
Parcerias
A pernambucana Simony César foi uma das 15 selecionadas na última edição da Red Bull Amaphiko, programa de inovação social da Red Bull, que apoia e oferece mentoria, formações e conexões a projetos de empreendedores sociais que estão mudando a realidade em seu entorno. Red Bull Amaphiko é um programa que, desde 2014, dá asas a pessoas e ideias transformadoras. Presente no Brasil, na África do Sul e nos Estados Unidos. Saiba mais em https://amaphiko.redbull.com.
Violência de gênero na mobilidade urbana
De acordo com o Instituto YouGov, 86% é a média brasileira de assédio sofrido por mulheres em espaços públicos. Quando questionadas sobre em que lugar mais sentem medo, 68% das mulheres não hesitaram ao dizer que temem andar no transporte público por conta da ameaça constante e 69% delas afirmaram ter como maior medo sair ou chegar em casa depois do escurecer. Está a mobilidade presente nos dois principais pontos de perigo expostos.
A mobilidade urbana não é neutra em relação ao gênero. As questões de raça e classe também evidenciam desigualdades no acesso às oportunidades oferecidas nas cidades, o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento – ITDP, em pesquisa divulgada em Janeiro de 2018, aponta a caminhada e o transporte público como os modos mais importantes para o deslocamento das mulheres nos grandes centros urbanos em desenvolvimento, sobretudo para as mais pobres.
Viagens e deslocamentos são hostis, repletos de medo e apreensão no dia a dia das mulheres. Mais de 60% das usuárias de transporte público de Natal já sofreram assédio e, desse total, 97,92% não denunciaram, segundo dados da Secretaria Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres – SEMUL. De acordo com a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Fortaleza, 74% da população da capital cearense usa transporte público, dessa porcentagem, cerca de 80% corresponde ao público feminino.
No Recife, 65% das mulheres deslocam-se através do transporte público de acordo com a pesquisa Origem-Destino(2016) divulgada pelo Instituto da Cidade Pelópidas Silveira – ICPS. 80% das brasileiras afirmaram ter medo de esperar o transporte público sozinhas e, para as mulheres do Recife, esse percentual chega a 92% (ActionAid/2014). Nas três capitais fica claro que, apesar das mulheres serem maioria em número de usuários, o direito à cidade não é neutro quanto ao gênero, cerceadas, logo as possibilidades de ascensão e desenvolvimento social também não são.